Ângela Kempfer
Marcelo Victor
Luta dos terena é por terras na região de Miranda.
Durante reunião na semana que passou, lideranças indígenas das etnias terena e guarani resumiram a disputa por terras em Mato Grosso do Sul alertando que “acabou a paciência”.
Em Miranda, onde a pendência é a ampliação da aldeia cachoeirinha, grupos de diferentes regiões do País discutiram a situação no Estado que é considerada “bola da vez” no Brasil, depois da demarcação contínua em Raposa Serra do Sol, definida pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Índios do Pará, Minas Gerais e região sul, oficializaram a solidariedade à luta dos povos sul-mato-grossenses, também por avaliar que, depois de Raposa Serra do Sol, a decisão que valer para uma etnia, valerá para todas.
Um exemplo são as 19 condições impostas pelo STF para que sejam feitas demarcações a partir de agora, consideradas dificuldades a mais no processo já carregado de preconceito, radicalismos e equívocos históricos.
Na avaliação da liderança xavante da Articulação dos Povos Indígenas do Cerrado (ARPICE), Arparidi Loptiro “o Estado brasileiro declarou a guerra para os indígenas de todo o país, porém nós vamos conseguir com nossos rituais, com nossos parentes pintados para a luta e vamos avançar na politização, com espírito guerreiro, para reconquistar nossas terras”.
A ironia neste 19 de abril, é que a principal causa dos conflitos na região sul do Estado foi provocada pelo mesmo homem que criou o Dia do Índio, em 1943. O presidente Getúlio Vargas garantiu a homenagem, mas também foi responsável pela distribuição de terras tradicionalmente indígenas para colonização nestes lados do Brasil, na década de 50.
Depois de tantos anos, a disputa só ficou mais agressiva. De um lado, fazendeiros tentam legalizar as milícias para segurança de que nenhum índio vai invadir áreas privadas. De outro, os índios evocam o conceito “tolerância zero”.
Durante o encontro em Miranda, com faixas que protestam “MS é também terra de índio”, índios como Ilton Tuchá, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, de Minas Gerais e do Espírito Santo lembraram da força mística. “O espírito de luta e resistência que temos é a única forma de enfrentar os fazendeiros, pistoleiros e policias, porque o Estado não respeita a legislação que ampara os povos”.
No meio da briga, antropólogos da Funai tentam avançar em estudos esperados desde a Constituição de 88, com trabalhos de vistorias e levantamento do que realmente é direito dos povos indígenas que vivem em Mato Grosso do Sul.
O processo foi barrado em 2008 e, teoricamente, retomado no mês passado, após nova publicação de portarias da Funai, desta vez definindo participação de membros do governo no levantamento antropológico e prazo para contestação dos fazendeiros.
Mas o anúncio de volta ao trabalho já mobilizou a classe produtora, deputados estaduais e federais, encabeçados pelo governo estadual. Chegou a ser montado um grupo para estudar juridicamente como impedir as demarcações. Também houve reunião com o minstro da Justiça, Tarso Genro.
A situação ficou tão tensa, que as últimas investidas pessoais do governador André Puccinelli foram direcionadas à Igreja Católica, com reunião com bispos para pedir que o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) deixasse de atuar na mobilização dos índios sul-mato-grossenses, como forma de “evitar o confronto e as mortes”.
Pé de guerra - Durante a reunião em Mato Grosso do Sul, Cretâ Kaingag, da Articulação dos Povos Indígenas do Sul do Brasil, deu depoimentos que remetem ao tudo ou nada na briga pela demarcação. “Nosso sangue que regou a nossa terra vai ter valor só se garantimos a vida futura para nossas crianças. A paciência se esgotou porque o Estado brasileiro jogou a Constituição Federal no lixo”.
Os índios dizem que desta vez não vão renunciar aos hectares pelo quais vêm lutando há décadas. Na contas deles, do território estadual, cerca de 7,2 milhões de hectares estão nas mãos de 981 produtores rurais, enquanto 60 mil índios têm de produzir em 500 mil hectares. Esse valor corresponde a apenas 2% do território estadual aos indígenas, ao passo que, em Mato Grosso, este percentual é de 16%.
Estudo - Os antropólogos responsáveis pelos trabalhos em Mato Grosso do Sul tentam tranqüilizar os dois lados na disputa, mas reafirmam algumas explicações que consideram pertinentes neste momento.
Do fim do século XIX para cá, os colonizadores ocuparam praticamente todo o território que antes pertencia aos guaranis. Nesse processo de ocupação, os indígenas foram, pouco a pouco, sendo restringidos a áreas muito pequenas. Hoje, temos 40 mil índios que vivem em cerca de 44 mil hectares. Eles estão praticamente sem terra. Na aldeia de Dourados, a situação é dramática: há apenas 3,5 mil hectares para 12 mil índios. Eles não têm condições de desenvolver nem sequer a agricultura de subsistência. Dependem da cesta básica dada pelo governo.
Segundo a Funai, os grupos de trabalho foram criados para fazer um levantamento, para que se conheça, com precisão, a real demanda dos índios.
Os estudos devem avaliar a composição das famílias, as relações de parentesco, a história deles em relação à terra, a ocorrência de determinados indicadores que comprovem a presença deles por ali, como casas abandonadas, resquícios de objetos, cemitérios indígenas etc.
Algumas propostas para conciliação são criticadas pelos antropólogos, como comprar terras em outras regiões do estado para distribuir ao guarani e terena.
Em entrevista à revista carta Capital, o antropólogo Rubens de Almeida explicou porque essa medida não seria aceita. “As terras não pertencem aos índios. Estes é que pertencem a uma terra. Por isso, eles se recusam a aceitar terras que não são suas, que não foram ocupadas pelos seus antepassados. No fim dos anos 70, a Funai tentou assentar um grupo de guaranis na aldeia Bodoquena, dos índios Kadiwéu, um pouco mais ao norte do estado. Ela tem 575 mil hectares para uma população muito pequena, entre 1,5 mil e 2 mil índios. Não deu certo. Os guaranis insistiram para voltar. Como a Funai não mobilizou transporte para trazê-los de volta, eles iniciaram uma marcha a pé de mais de 700 quilômetros”.
Segundo ele, é falso o debate sobre demarcação contínua em MS. “O estado tem colonização consolidada e economia estabelecida. A rigor, pela Constituição, até seria possível pensar numa solução para os índios desconsiderando os brancos. Não é o caso. O plano operacional prevê a presença dos proprietários rurais na região. Estuda-se, sim, a possibilidade de criar conexões entre as aldeias por meio de corredores ecológicos, o que permitiria a passagem de bichos e a circulação dos guaranis. Sem prejuízos, já que os corredores passariam pela área de reserva legal das fazendas. Isso leva em conta o próprio desenvolvimento do estado, eu diria”.
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